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Elise Dawson
22 août 2004

Combatendo nas guerras dos outros.

 

Em sua trajetória, o ser humano tem destinado boa parte de suas energias em um competente e coordenado esforço vocacional para destruir a humanidade, e até o próprio planeta, sob as mais diversas e amplas maneiras, dentre as quais está a guerra, um fenômeno de grandes proporções tão antigo quanto a própria existência hominídea, sendo o domínio das terras e a disputa por riquezas suas principais causas, e que traz graves conseqüências como resultados.

Os animais têm sido vastamente domesticados (portanto contra a vontade inerente dos seres pela liberdade, como muitos afirmam) no intuito de serem utilizados para atender aos vários interesses do homem (muitos deles importantíssimos para sua própria existência e desenvolvimento, reconheço). E, assim como isso se dá com tantas atividades humanas, do lavrar a terra à caça, da proteção patrimonial ao transporte pessoal ou de cargas, da criação e reprodução controladas à simples companhia, não poderia deixar de acontecer em confrontos armados.

Confesso que, dentre o muito que me incomoda nas relações da humanidade com os organismos vivos da Terra, ver as diversas criaturas do nosso mundo utilizadas em um conflito bélico, manifestação essencialmente antropológica (e é assim que deveria continuar a ser), me perturba. É fato que o prosseguimento tecnológico tem afastado os animais de tarefas relacionadas a uma guerra como o transporte, missões, e o combate propriamente dito. Ao menos isso! Mas ainda são empregados em diversas situações dentro deste âmbito, talvez em uma variedade ainda maior de seres, para quase tudo, desde o patrulhamento do litoral até a identificação de bombas pelo olfato.

Neste texto, mais como um lamento, vou discorrer sobre algumas criaturas, que obviamente não evoluíram para o propósito dos bárbaros conflitos humanos, mas que têm participado de modo involuntário nos mesmos.

Os cavalos são domesticados desde 5.500 anos atrás, na área do Cazaquistão atual, e a propagação deles em toda a Eurásia logo deu origem ao seu aproveitamento em guerras. Os antigos egípcios e chineses já os usavam puxando carruagens como plataformas estáveis ​​para lutar, antes que a invenção de uma sela efetiva e um estribo desse uma vantagem decisiva aos que neles montavam. Quando a estabilidade foi conseguida com a sela e o estribo os mongóis passaram a conseguir disparar flechas e lutar com eficácia sobre a montaria, com a mobilidade necessária para conquistar muitas terras. Durante muito tempo, para vários povos, a diferença entre vitória e derrota centrava-se no detalhe de se ter ou não combatentes com a aptidão de guerrear montados em cavalos. Até a era moderna das batalhas, quando armas à distância e veículos motorizados foram inventados, a presença de cavalos era imprescindível. Com certeza este é o animal mais utilizado durante toda a história das guerras.

As mulas têm desempenhado um papel extraordinário e crucial nas campanhas, embora não reconhecido, transportando ou puxando uma grande parte das armas, alimentos e outros materiais necessários às tropas, devido à sua maior resistência se comparadas aos cavalos. Demonstram mais inteligência, cautela e falta de vontade para puxar cargas até pontos mais críticos, o que levou ao estereótipo de ser teimosa. Ainda assim, os exércitos romanos marcharam com cerca de uma mula para cada 10 legionários. Na Primeira Guerra Mundial, os estadunidenses serviram-se de cerca de 571.000 cavalos e mulas na Europa, tendo perdido cerca de 68.000 em ação. As mulas ainda encontram muita utilidade até hoje para, por exemplo, manter linhas de abastecimento abertas para postos avançados remotos em terrenos difíceis e montanhosos.

Cavalarias de camelos floresceram em algumas regiões do mundo, particularmente naquelas áridas ou desérticas do norte da África e do Oriente Médio, dada a sua capacidade de sobreviver a condições difíceis e, muitas vezes, sem água. Os persas de Partia e Sassânida, às vezes, blindavam seus animais como uma pesada cavalaria catafractária (equipados com armaduras e artilharia, e carregando cavaleiros) e os árabes freqüentemente os cavalgaram durante incursões contra outras tribos ou durante as conquistas muçulmanas da África do Norte e Oriente Médio. O cheiro de camelos assustava os cavalos inimigos, mesmo não oferecendo muito perigo durante os ataques. O papel de combate dos camelos diminuiu com o desenvolvimento de armamentos durante os séculos XVIII e XIX, mas ainda agiram com o general britânico Lawrence da Arábia e as forças árabes durante a Primeira Grande Guerra.

Os elefantes também deixaram sua marca como criaturas capazes de devastar formações embaladas de tropas inimigas. Estes grandes animais podiam pisotear, perfurar com suas presas e até mesmo lançar os oponentes, e por vezes usavam armaduras ou carregavam arqueiros e lançadores. Os reinos antigos da Índia foram os primeiros a empregá-los como tanques vivos, prática esta que logo se espalhou para os persas no Oriente Médio. O rei macedônio Alexandre, o Grande, encontrou elefantes como inimigos durante suas conquistas e, eventualmente, os gregos, cartagineses e romanos fizeram uso dos paquidermes em determinados momentos. Um grupo destes animais foi utilizado notavelmente por Aníbal durante a Segunda Guerra Púnica. Normalmente, os cavalos temiam a visão e o cheiro de elefantes, e lidar com o terror psicológico de enfrentar os enormes animais não era fácil nem para os soldados. O advento dos canhões nos campos de batalha terminou essencialmente com seu papel de combate.

Os cães também não poderiam ficar de fora, e por milhares de anos têm participado de conflitos bélicos, seja na área da batalha ou como sentinelas defensivas, desde os egípcios até os nativos americanos. Os romanos treinaram o cão da raça extinta molossus para combater, o equipando com coleiras e armaduras com pontas de metal, os conquistadores espanhóis usaram cães mastiffs blindados durante a invasão da América Latina, e nações e grupos europeus os levaram para enfrentamentos durante toda a Idade Média. Nas guerras mais modernas o papel dos cães foi reduzido para o de mensageiros, rastreadores, e sentinelas. Vale a pena mencionar o cão Stubby, que desempenhou papel importante na Primeira Guerra, sendo promovido a sargento pelo exército dos Estados Unidos. Ele salvou um regimento de um ataque de gás mostarda, encontrava feridos ou latia para que os médicos chegassem logo, e atacou um espião até que outros soldados viessem para prendê-lo. Mais recentemente alguns exércitos têm cães treinados como detectores de bombas e minas, pelo cheiro.

Pombos-correio transportam mensagens em situações bélicas durante boa parte da história humana, com base em suas habilidades de navegação que lhes permitem voltar para um local de origem através de áreas desconhecidas e de centenas de quilômetros. Talvez tenha sido na Primeira Guerra Mundial que estas aves ganharam sua fama militar, ocasião em que os aliados usaram cerca de 200 mil delas. Um pombo chamado Cher Ami chegou a ganhar a "Croix de Guerre" francesa por entregar 12 mensagens entre fortes na região de Verdun, na França. A ele é creditado salvar a 77ª Divisão de Infantaria dos Estados Unidos, que ficou presa em uma depressão na floresta de Argonne, cercada pelos alemães e acidentalmente bombardeada por tropas estadunidenses, nesta que foi sua última missão pois ficou gravemente ferido durante o vôo. Outro grupo de 32 pombos ganhou a medalha britânica Dickin por valor animal durante a invasão do dia D na Segunda Grande Guerra, quando os soldados aliados mantinham o silêncio do rádio e confiaram nas aves para transmitir mensagens. Ainda na Segunda Guerra, experimentos foram realizados no uso de pombos para mísseis-guia, o "Project Pigeon", onde um era colocado dentro, com vista para fora por uma janela, de modo que bicava nos controles para a esquerda ou para a direita, dependendo da localização do alvo, direcionando o míssel. Os avanços na tecnologia de comunicação têm aposentado os pássaros do serviço militar.

Desde os anos 60 a marinha dos Estados Unidos tem utilizado golfinhos-nariz-de-garrafa para patrulhar mares ao lado de leões-marinhos, procurando por minas com base no conceito de equalização graças ao seu sofisticado sonar biológico. O mamífero envia uma série de sinais que rebatem em objetos e retornam a ele, o que permite ao mesmo fazer uma imagem mental do artefato e, em seguida, poderá reportar o achado ao seu treinador através de respostas "sim" ou "não". Dessa forma, o golfinho poderá ser enviado para marcar sua localização com linhas de bóia, algo que foi efetivado nas Guerras do Golfo Pérsico e do Iraque (neste, golfinhos da marinha ajudaram a limpar o porto de Umm Qasr). Eles também podem marcar nadadores inimigos, se treinados para tal.

Os leões-marinhos da Califórnia ganharam fama, ao lado de golfinhos e uma baleia beluga, no programa de mamíferos marinhos da marinha dos Estados Unidos. Eles têm excelente visão na penumbra e audição subaquática, podendo nadar 40 km/h, e fazer mergulhos repetidos de até 300 metros, e foram treinados para investigar e pegar objetos suspeitos ou perdidos. Um arreio especial, com câmeras que fornecem visão subaquática, foi desenvolvido para estes animais. Um grupo formado por apenas um leão-marinho, dois treinadores e um barco de borracha, pode substituir um navio naval completo, sua equipe e um tanto de mergulhadores humanos na busca de objetos no fundo do oceano.

Os antigos gregos, romanos e outras civilizações ocasionalmente usavam abelhas como pequenas armas de guerra para deter tropas inimigas. Às vezes catapultavam colméias sobre os muros. Os Heptakometes, da região de Trebizond, na Turquia, até enganaram soldados romanos sob o comando de Pompeu com um tributo de mel tóxico, o que provocou vômitos neles por intoxicação. Abelhas irritadas ainda foram empregadas em cercos a castelos na Idade Média, bem como durante a Primeira Guerra Mundial e na Guerra do Vietnã. Atualmente, os insetos são treinados para detectar minas terrestres.

Por fim, tornando mais abrangente o tema abordado, não podemos nos esquecer dos incontáveis animais que não entraram nas linhas de batalhas propriamente, mas que foram colocados em pesquisas laboratoriais ou de campo, tanto em testes de aplicação e potencialidade de armamentos como nos de recuperação de ataques dos mesmos. Também não posso deixar de mencionar a corrida espacial, fundamentada na "Guerra Fria" e, portanto, com conteúdo militar armamentista, onde uma quantia enorme foi testada de diversos modos, inclusive sendo enviada ao espaço. Imensurável o tamanho do sacrifício animal que foi dispensado para se atingir progresso nas guerras humanas.

Posté par Elise Dawson

 

 

Veja também :

Simbolismo mitológico.

A democracia dos ditadores.

No topo da ciência.

Uma visão sobre a embriaguez na antiga Inglaterra.

Australianos no conflito global de 1914-18.

 

 

Commentaires (9)

 

Primeiramente, concordo com suas observações. A humanidade tem uma capacidade natural para se destruir, e treina os animais, bem menos destrutivos, para seus fins terríveis.

Não sei se você sabe, mas a Suécia, e depois a União Soviética, tentaram utilizar alces como cavalaria de neve profunda.

No entanto, chegou-se à conclusão de que eram inadequados para a guerra, porque eram difíceis de alimentar, facilmente contraíam doenças de gado, e fugiam do campo de batalha. Os soviéticos treinaram alces para não se intimidarem com armas, mas não conseguiram fazer uso de sua cavalaria por causa da guerra soviético-finlandesa e da II Guerra Mundial.

Posté par Maria Eduarda Kracik, 22 août 2004 à 18:41 | Répondre

 

Realmente os seres humanos são únicos na incansável busca por novas maneiras de se matar. Uma pena que busquem animais para seus propósitos destruidores e egoístas.
Aníbal, batido e expulso pelos romanos, procurou refúgio com o Rei Prusias I, de Bitínia, e protagonizou um fato curioso.
Decidido a atacar Roma de qualquer maneira, ele aconselhou Prusias em seu conflito com Eumenes II, líder do cliente estado romano de Pergamo, levando a batalha para o mar. Depois teve a idéia de juntar cobras em vasos de barros, catapultando-os sobre o inimigo.

Posté par Renato Villela Filho, 22 août 2004 à 20:02 | Répondre

 

O naturalista e historiador romano Plínio, o Velho, escreveu sobre o uso de porcos contra elefantes, afirmando que os segundos ficavam assustados com o grito de um suíno e entravam em pânico, trazendo desastre a qualquer um que estivesse em seu caminho.

Macacos já foram usados como dispositivos incendiários vivos no início da Dinastia Song do Sul, em uma batalha entre rebeldes da província de Yanzhou e o exército imperial chinês. É lastimável, os animais eram vestidos com palha, mergulhados em óleo e incendiados, então eram soltos no campo inimigo, pondo as tendas em chamas e trazendo o caos para o local.

Posté par Miguel Gerdau, 22 août 2004 à 20:45 | Répondre

Na II Guerra os britânicos preenchiam carcaças de ratos com explosivos plásticos, e os deixavam em locais como fábricas onde, como se esperava, descartariam a descoberta no fogo da caldeira de alta pressão, que explodiria de modo arrasador.

Posté par Wendel Pelissari, 23 août 2004 à 21:23 | Répondre

 

De fato, a (lamentável) participação de cavalos em guerras é maior que a de qualquer outro animal, seja puxando carroças, transportando equipamentos ou levando soldados montados. O primeiro manual de treinamento eqüino remonta a 1.350 a.C.

Cerca de 7.000 cavalos foram mortos em apenas um dia, durante a Batalha de Verdun de 1916, na França. Eles eram mais suscetíveis aos elementos, e milhares sucumbiram pelas doenças, exaustão e gás venenoso. Muitos outros poderiam ter sido perdidos sem os esforços do Corpo Veterinário do Exército da Grã-Bretanha, que tratou mais de 2,5 milhões de cavalos feridos durante a Primeira Guerra.

Posté par Bruna Monjardim, 22 août 2004 à 21:16 | Répondre

 

Um cirurgião dentista chateado com o ataque japonês na base estadunidense de Pearl Harbor propôs anexar pequenas bombas incendiárias a morcegos, para criar milhares de pequenos incêndios nas cidades japonesas enquanto voavam para pousar sob os telhados dos edifícios, com o posterior consentimento do presidente Roosevelt.
Apesar do esforço inicial desistiram do projeto, mas ainda assim, as bombas de morcego conseguiram incendiar uma aldeia japonesa simulada, um hangar do exército dos EUA, e um carro de um general. Hoje em dia, estudam como a mecânica de vôo do mamífero voador poderia inspirar futuros projetos de aeronaves e robôs espiões.

Posté par William Di Lorenzo, 22 août 2004 à 21:56 | Répondre

 

Oi Elise!
Durante a Segunda Guerra Mundial, reconhecendo o potencial da comunicação conduzida através de pombos, a inteligência britânica alistou uma equipe de falcoeiros para patrulhar os céus britânicos e atacar eventuais pombos nazistas.

De acordo com os relatórios, os falcões não conseguiram derrubar uma única ave inimiga, mas duas delas foram capturadas e feitas "prisioneiras de guerra".

Posté par Sarah Cristina Dutra, 23 août 2004 à 16:57 | Répondre

 

Quando acontecia dos soldados notarem a presença de gás mostarda no campo de batalha, muitas vezes era tarde demais.
Na I Guerra Mundial descobriram que lesmas podiam detectar este gás bem antes que os humanos pudessem, demonstrando isso por sinais visíveis de desconforto, fechando os poros respiratórios e comprimindo os corpos. Quando ocorriam estes sintomas os soldados nas trincheiras colocavam rapidamente suas máscaras para protegerem-se.
Já o vagalume (Lampyris noctiluca) deu uma contribuição improvável através da sua bioluminescência, no mesmo conflito bélico.
Os soldados coletavam estes insetos incandescentes em frascos para ajudá-los na escuridão das trincheiras como se fossem lanternas instantâneas, o que permitia a eles examinar mapas e relatórios de inteligência, ou simplesmente lessem cartas vindas de suas famílias.
Eu também gostaria que os animais ficassem de fora das tramóias humanas.
Que os homens se sujem sozinhos. Eles têm muita competência para tal, e não precisam que outros o ajudem.

Posté par Moacir Veloso, 23 août 2004 à 19:12 | Répondre

 

A Medalha Dickin é uma condecoração dada a animais por suas ações em tempos de conflitos armados desde 1943, e pode ser considerada como um equivalente da Cruz Vitória, que é concedida pela bravura de militares que fazem parte das Forças Armadas da Commonwealth.

A honraria foi idéia de Maria Dickin, fundadora da People's Dispensary for Sick Animals - PDSA (Dispensário popular para animais doentes), e normalmente é entregue pelo prefeito de Londres.

O objeto é feito de bronze e tem a inscrição "For Gallantry" (por coragem) e "We Also Serve" (nós também servimos) dentro de uma coroa de louros, e leva uma fita com listras verde, castanho escuro e azul pálido.

Posté par Ana Rita Collins, 23 août 2004 à 22:03 | Répondre

 

 

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